Uma vila em uma região remota e sem modernidades. As casas são construídas com madeira e revestidas de uma liga de argila e cupinzeiros moídos. As árvores usadas para a construção são escolhidas por lenhadores experientes, que ocupam um lugar de respeito na comunidade, já que atribuem a esta experiência o fato de as casas não serem infestadas por cupins. Também existe por parte deles a consciência do uso dos recursos e a fragilidade do equilíbrio dos mesmos.
Com o tempo, casais mais jovens e famílias “progressistas” optaram por casas de alvenaria. Isto teve um profundo impacto no negócio de casas de madeira e os lenhadores, progressivamente, procuraram outras atividades.
Porém alguns, ainda achavam as casas de madeira mais charmosas e “quentinhas” no inverno e sempre procuravam um velho mestre lenhador para escolher as melhores árvores para a construção de seus chalés. O velho lenhador, embora ainda fosse forte e vigoroso, contava com a ajuda de um dos seus filhos para cortar as árvores, ainda com machados e arcos de serra.
Ele ensinou a este filho os segredos do seu ofício.
As toras retas e regulares, sempre com o mesmo volume e diâmetro para evitar distorções estéticas. Nunca cortar depois das chuvas, nunca cortar em locais de difícil acesso, sempre pensando que depois de cortada a tora deverá ser tracionada ou rolada até uma estrada. Proteger os brotos, outras plantas e árvores, verificar a existência de pássaros e outros animais.
Recomendações que tornavam o trabalho mais moroso e consequentemente menos rentável.
O filho, mais estudado e “inteligente” questionava frequentemente estes métodos e por isso, seu pai não não lhe dava a autonomia que ele julgava merecer: Escolher e cortar as árvores que quisesse.
Depois de alguns anos, para grande angústia do velho, pai e filho romperam.
O jovem se lançou no mercado da produção de madeira para construção, mas nunca conseguiu sucesso e amargou durante anos rancor e indiferença dos moradores da vila. Diante disto, matutou por meses e por fim teve a ideia de propor um desafio que provasse a sua superioridade profissional sobre o pai. Sabendo que não tinha o conhecimento e a experiência do pai, o jovem decidiu propor um desafio físico, onde com certeza seria superior.
Proporia um desafio de corte de árvores com machado. Pessoas idôneas escolheriam cinco ou seis árvores de diâmetro semelhante e eles deveriam iniciar o corte ao mesmo tempo, aquele que as cortasse primeiro era o vencedor. O perdedor deveria abandonar a profissão para sempre, dando espaço ao vencedor.
Relutante e triste, o pai recusou o desafio diversas vezes. Porém, percebendo a crescente agressividade do filho, aceitou o desafio com amargura.
No dia marcado para o desafio, tentou pela última vez, propor ao filho que desistissem do desafio. O pai declararia o filho vencedor e abandonaria o seu amado ofício. Mas o filho, presunçoso e fortalecido por esta demonstração de fraqueza do pai, preferiu levar o desafio adiante, certo de uma vitória esmagadora.
As árvores escolhidas foram medidas, analisadas e aprovadas por ambos. Pai e filho empunharam seus machados e alguns dos poucos expectadores puderam ver os olhos úmidos do velho, o que nenhum deles soube é que as lágrimas foram por ver que o machado que o filho usava tinha sido forjado artesanalmente pelo pai.
Ambos se lançam juntos à empreitada e logo o vigor do jovem ficou aparente. Atacava ferozmente o tronco, fazendo as lascas voarem como se fugissem diante de tamanha força e poder. O velho estocava com ritmo e precisão, como se cada investida fosse pensada e calculada para obter o melhor resultado possível.
Pouco antes de terminar a primeira árvore, o velho se sentou e pediu água, e quase se surpreendeu com o barulho da segunda árvore que o filho derrubava.
O vigor trabalhava sem descanso! O suor lhe empapava a roupa grossa, já nem sentia as formigas que lhe ferroavam as mãos e nem olhava para o seu oponente. Não queria perder tempo, não bastava-lhe vencer, queria uma vitória esmagadora e humilhante para evitar qualquer questionamento de sua superioridade.
Foi com certa raiva e desprezo, o olhar que dirigiu a seu pai quando este lhe tocou o ombro, desperdiçando o tempo importante que julgava necessário para terminar as duas árvores que faltavam.
– O que foi?
-Filho, já acabou.
Não acreditou quando viu as seis toras do pai, cortadas e perfiladas.
-Mas, como é possível? Sou mais forte e não parei um segundo sequer… Sendo que o senhor parou e descansou várias vezes!
-Filho, eu não parei para descansar… Parava para amolar o machado.
Ouvi uma história semelhante há mais de vinte anos. Esta é a minha versão.
Forte e respeitoso abraço.
Rafa