Curanderismo e a cura do HIV.   4 comments

Estamos em Moçambique, na África Austral, um dos países mais lesados pela epidemia do HIV. Temos menos de 1.000 médicos atuando e destes, menos ainda no trato direto com o paciente. Por outro lado temos cerca de 70.000 curandeiros em atividade em todo o país.

Em quase todas as culturas, principalmente as menos “cientificistas”, é muito comum a profunda ligação entre religião e saúde. Quanto menos a ciência entende um evento mais, se atribui a ele uma origem sobrenatural. É assim com o “Deus Sol” é assim com o milagre do Papa… O fato é que a cultura religiosa sempre envolve a busca pela cura, seja ela física, moral ou espiritual. Criticar o curandeirismo sem entende-lo é mera prova de ignorância, porém o charlatanismo coexiste e não é difícil de identificar…

“Não se pode reduzir uma cultura a um dos seus traços culturais mais negativos, esquecendo deliberadamente, por cego etnocentrismo ou por ignorância, toda a sua complexidade. Também não podemos basear-nos em experiências isoladas, em dados fora do contexto cultural ou em factos anedóticos que facilmente criam uma caricatura do povo em questão. Das culturas é necessário ter um conhecimento adequado e profundo, que compreenda tanto os elementos positivos como os negativos.”          (Fernando Lerma Martinez, Antropologia Cultural,  Paulinas Moçambique, 2009, 6ªEd. pág. 25)

Apesar do meu profundo respeito por toda forma de cultura, não posso negar o etnocentrismo inerente a todo aquele que é estrangeiro, por isso tenho o cuidado de compartimentalizar fielmente o campo de minha crítica. E é este exclusivamente a afirmação hedionda de que o curandeiro pode curar o HIV. Digo ser impossível ao curandeiro curar (eliminando o vírus do HIV do corpo) por um motivo muito simples, em 14 meses trabalhando aqui, nunca vi nenhum curado.

O curanderismo é uma forma eficiente de aplacar os aspectos emocionais, mas não pode ser elevado ao estado de ciência como alguns defendem. Alguns curandeiros são “realistas” em relação ao seu campo de atuação, mas acredito que, em sua maioria sejam charlatões, em maior ou menor grau.

Os “medicamentos” usados, além da sugestão gerada de maneira teatral, são em geral, ervas, tubérculos e poções. Além das “vacinas” que são pequenos cortes feitos no corpo do paciente, geralmente com uma lamina de barbear, muitas vezes reaproveitada.

Encontramos este anúncio de um “consultório” caminhando pelo bairro de Chiuaula, em Lichinga.

Dizer que isto é charlatanismo, é pouco. O que eles fazem é desumano.

É verdade que nem sempre a alopatia é capaz de “curar” ou aliviar a dor. As vezes sentamos a cabeceira e damos a mão como conforto. O limite existe, ainda mais em um contexto onde falta o básico em termos de medicamentos e tecnologia. Mas, isso não pode ser desculpa para que alguns se aproveitem do sofrimento alheio…

São vendedores de fumaça…

Sem abraço hoje.

Rafa

Publicado 02/05/2011 por rafasacramento em Em África...

4 Respostas para “Curanderismo e a cura do HIV.

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  1. Infelizmente aqui no Brasil também não estamos livres disso… apesar de sabermos que a medicina e o “misticismo” sempre andaram juntas desde as épocas mais remotas na América… como fruto da mistura cultural e colonização de nosso país…
    O que realmente nos deixa triste é saber que tanto aqui quanto em qualquer outro lugar os charlatões existirão querendo se aproveitar dos mais fracos e menos favorecidos…

    Lídia Pantoja
  2. Sempre que alguém me diz, aqui ou no Brasil, que vai procurar suporte espiritual, dou muito apoio. O problema são os conflitos. Acho que ciência e fé devem caminhar de mãos dadas e não abraçados… Se andarem abraçados, tropeçam…rsrsrs.

  3. Xiiiii…. deixaria para comentar esta pessoalmente… hehehe! Já vi umas coisas esquisitas nesta vida… e gosto de “abraços”, embora tenha certeza de que, para algumas doenças “o buraco é mais embaixo”… Seria uma bela discussão antropológica… curar o que, como? Já viu as reações quando falei mal do Específico Pessoa? Difícil entender algumas coisas… E como médicos, mais difícil ainda, não?
    Continue publicando. É bom ver você pegando gosto!!! Vai ver que aos poucos se torna mais e mais natural escrever para o blog!
    Abração,

    Altamiro Vilhena
  4. Encontrei seu blog por uma indicação no grupo de e-mails do brasília rugby. Até agora li apenas os 3 primeiros artigos. Está excelente. Parabens pelo exemplo que está dando.

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